quarta-feira, setembro 18, 2013

Eu enquanto homem

eu enquanto homem

- Preciso me deitar ou posso apenas me sentar?
- Como achar melhor, sinta-se a vontade.

- Pelo que vejo hoje você está de bom humor, fale-me um pouco sobre isso.
- O meu humor está um pouco melhor do que ontem e bem pior do que amanhã. Apenas não estou mais tão preocupado com meu estado de espirito, tenho deixado às coisas acontecerem e vou seguindo. Sabe, é um dia após o outro, um passo de cada vez. Tenho deixado de lado o sentimentalismo barato e estou focado em existir.
- Seria isso uma falta de interesse?
- Não, muito pelo contrário, estou interessado em continuar sem procurar respostas. As perguntas não serão feitas e por isso mesmo, não precisam ser respondidas por ninguém. Acabou e pronto.

- Que bom que as coisas estão indo bem, conte-me mais sobre como pretende seguir de agora em diante.
- Seguir?
- É você me disse que resolveu não se preocupar mais...
-Tudo tem um começo e provavelmente um fim, se é isso que quer saber. Acontece que o meu começo não foi diferente do de todos os outros. O final é que não quero que seja igual e por isso estou reconsiderando tudo. Não adianta ficar dando murro em ponta de faca, quando não dá, não dá e pronto.

Muita gente fica com essa coisa de nós, de sentimento, de querer mostrar algo que nunca existiu. Errei demais quando não dei atenção a mim e consequentemente a tudo o que estava a minha volta. Perdi, perdemos, sei lá, tempo demais, gastamos energia com inutilidades e agora estamos às voltas com suposições desmedidas.

Conhecemo-nos muito jovens e ela tinha lindos olhos azuis que me passavam tranquilidade. Eu era apenas um rapaz idealista pensando na próxima batalha e em como fazer para vencê-la. Casamo-nos porque queríamos ficar juntos para sempre, igual aos filmes que víamos no cinema e só descobrimos, talvez cedo demais, que os filmes ocultavam detalhes importantes sobre o “para sempre”.

Lembro-me bem quando compramos nosso primeiro apartamento apertado, nos mudamos para um bairro distante e fomos. O sorriso em seu rosto já havia desaparecido e começamos a sonhar com as coisas que a sociedade capitalista e consumista sonha. Queríamos ser, queríamos pertencer e nossos dias passaram a ser focados em conseguir. Acordávamos antes do nascer do sol e retornávamos depois que ele já havia ido. Nossas conversas eram sobre a secretaria mala do departamento, a promoção do bajulador do setor, o que o mercado exigia de nós e o que esperávamos que este mesmo mercado nos desse. Não tínhamos tempo para romances, coisas pequenas, cotidiano, estávamos focados em crescer.

Ela foi promovida, nos mudamos para um apartamento maior. Eu fui promovido, nos mudamos para uma casa. Nós fomos promovidos, compramos uma casa com piscina. Nunca usamos a piscina, nem a churrasqueira que custou uma fortuna e muito menos a casa, não tínhamos tempo para isso. Nossa separação foi amigável, sem magoas, pelo menos da minha parte. Ela derramou algumas lágrimas durante o discurso final, nossa ultima conversa, e eu não tive coragem de me desculpar por nada.

O amor acabou antes mesmo de começar. Perdi a parte em que deixamos de ter prazer, perdi a parte em que a tranquilidade daqueles olhos azuis se foi. Perdi muitas partes.

- Você ainda a ama?
- É possível deixar amar alguém que representa a sua existência?
- O que você acha?
- Acho que não e é por isso que ainda a amo. E por amar tanto essa mulher, não quero cometer os mesmos erros.

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